Clinicamente

  O ameloblastoma é um tumor benigno de origem epitelial, polimórfico deformante, invasivo e com padrões clínicos de malignidade local. Alguns autores encontraram uma frequência de 60,3% dos ameloblastomas dentre os tumores odontogênicos.

  O ameloblastoma é uma lesão tumoral de crescimento lento e geralmente assintomático, de tamanho variável em que se observa uma expansão óssea, geralmente com uma mucosa de recobrimento íntegra, de coloração e texturas normais. Em alguns casos, o ameloblastoma pode alcançar grandes dimensões e se estender para diferentes áreas anatômicas, como corpo, ângulo, ramo e côndilo de mandíbula simultaneamente.

 O ameloblastoma é uma neoplasia benigna que atinge principalmente a mandíbula (80%-92,5%) e, raramente, a maxila. A raridade do ameloblastoma na maxila pode levar a dificuldades no diagnóstico e tratamento. É importante destacar que quando o tumor afeta a maxila ele apresenta uma maior destruição da cortical óssea e invasão perilesional.

 Na mandíbula, o ameloblastoma afeta principalmente a região posterior e o corpo mandibular, porém há uma prevalência do subtipo desmoplásico pela região anterior da mandíbula.

 Apesar de ser um tumor benigno, pode ser localmente invasivo e ter uma alta taxa de recidiva, se não tratado adequadamente.

 O ameloblastoma ocorre em três diferentes situações clinico-radiográficas:
1.Sólido convencional ou multicístico;
2.Unicístico;
3.Periférico ou extraósseo. 

  O ameloblastoma unicístico apresenta uma prevalência em pacientes mais novos, com pico de incidência na segunda década de vida. Já o ameloblastoma sólido acomete geralmente pacientes na terceira década de vida e o desmoplásico na quarta década.

  Alguns estudos reportaram a apresentação do ameloblastoma metastático, de baixa frequência, e das quais as metástases afetam principalmente órgãos como o fígado e o pulmão. As metástases são normalmente vistas como consequência de remanescentes anteriores de um ameloblastoma ou cisto dentígero.





Figura 1- Ameloblastoma. Distribuição nos ossos gnáticos. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 2- Expansão proeminente do rebordo alveolar lingual causada por um grande ameloblastoma da sínfise mandibular. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 3- Grande lesão multilocular envolvendo o ângulo e o ramo da mandíbula. As grandes loculações mostram o aspecto de ‘’bolhas de sabão’’. Um terceiro molar incluso foi deslocado para a região superior do ramo. Fonte: Neville et al., 2009.



Figura 4- Imagem tomográfica computadorizada que mostra um ameloblastoma que quase preencheu o seio maxilar e tinha invadido a cavidade nasal. As tábuas ósseas corticais palatina e vestibular estavam expandidas, havendo perfuração da tábua vestibular em uma área. Primariamente, o tumor era de natureza cística, porém mostrava áreas de invasão mural. Fonte: Neville et al., 2009.

Radiograficamente

  No ameloblastoma sólido o aspecto radiográfico da lesão é frequentemente descrito como “bolhas de sabão”, quando as loculações radiolúcidas são grandes, ou como “em favos de mel”, quando as loculações são pequenas.

 Os ameloblastomas sólidos também podem aparecer como uma lesão radiolúcida unilocular, se assemelhando a lesões císticas. As margens dessas lesões radiolúcidas, contudo, frequentemente mostram festonamento irregular.

  A expansão da cortical óssea vestibular e lingual, reabsorção radicular e associação com dentes retidos geralmente é observada.

 O ameloblastoma unicístico aparece tipicamente como uma imagem radiolúcida circunscrita que envolve a coroa de um terceiro molar inferior retido ou como uma área radiolúcida bem demarcada.

  Apesar das diferentes características imaginológicas, não há correlação radiológica com a idade, gênero, tipo histológico ou agressividade do tumor.




Figura 5- Ameloblastoma desmoplásico. Grande lesão mista radiolúcida e radiopaca do corpo anterior e direito da mandíbula. (Cortesia do Dr. Román Carlos). Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 6- Ameloblastoma unicístico associado à coroa de um terceiro molar inferior não-irrompido. Radiograficamente, a lesão assemelha-se a um típico cisto dentígero. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 7- Ameloblastoma. Radiografias periapicais mostrando o aspecto em ‘’favos de mel’’. (Cortesia do Dr. John Hann). Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 8- Ameloblastoma. Lesão radiolúcida destrutiva associada à reabsorção dos dentes anteriores. (Cortesia do Dr. Richard Brock). Fonte: Neville et al., 2009.

Histologicamente

 A OMS incluiu os ameloblastomas no grupo dos tumores benignos de epitélio odontogênico maduro, com estroma fibroso e sem ectomesênquima odontogênico.

  O ameloblastoma pode ser dividido em quatro grupos com 9 subtipos histológicos, da seguinte maneira:

1.Ameloblastoma sólido/multicístico: folicular, plexiforme, acantomatoso, de células granulares, de células basais e o tipo misto contendo áreas com os subtipos folicular e plexiforme;
2.Ameloblastoma unicístico: luminal, intra-luminal e mural;
3.Ameloblastoma desmoplásico;
4.Ameloblastoma periférico.

 Estudos mostraram que histopatologicamente o padrão folicular e plexiforme do ameloblastoma multicístico são os mais comuns. Padrões histopatológicos menos comuns incluem os tipos acantomatoso, de células granulares, desmoplásico e de células basais.

  Os ameloblastomas sólidos ou multicísticos possuem uma tendência para formação de padrões císticos, macroscopicamente, a maior parte dos tumores apresenta combinações variadas de características císticas e sólidas. São relatados diversos tipos microscópicos de ameloblastomas multicísticos, mas esses padrões geralmente apresentam pouca correlação com o comportamento do tumor. Muitos tumores frequentemente apresentam uma combinação de padrões microscópicos.

 O ameloblastoma unicístico pode ser classificado em três diferentes subtipos microscópicos de acordo com a localização das células tumorais. No ameloblastoma unicístico luminal o tumor está confinado à superfície luminal do cisto. Na segunda variante, o ameloblastoma unicístico intra-luminal um ou mais nódulos de ameloblastomas se projetam do revestimento cístico em direção ao lúmen do cisto. E por último, o ameloblastoma unicístico mural ou intramural, a parede fibrosa do cisto está infiltrada por ameloblastoma do tipo folicular ou plexiforme.

  Concomitantemente, devemos distinguir o ameloblastoma metastatizante, definido como um ameloblastoma que, apesar da aparência histológica benigna, metastatiza a nível ganglionar regional e a distância (pulmão, pleura, vértebras, ossos do crânio, diafragma, fígado, parótida, baço e rim). A incidência reportada desse tipo de tumor metastatizante é de 2%.  Essa variante não deve ser confundida com o carcinoma e sarcoma ameloblástico, que são duas entidades independentes.




Figura 9- Ameloblastoma (variante de células basais). Ilhas de células basaloides hipercromáticas com paliçada periférica. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 10- Ameloblastoma (padrão plexiforme). Cordões de epitélio odontogênico anastomosando-se. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 11- Ameloblastoma (variante de células granulares). Ilha tumoral exibindo células centrais com citoplasma granular proeminente. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 12- Ameloblastoma (padrão acantomatoso). Ilhas de ameloblastoma exibindo diferenciação escamosa central. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 13- Ameloblastoma (variante desmoplásica). Finos cordões de epitélio ameloblástico em meio a um estroma de tecido conjuntivo fibroso denso. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 14- Ameloblastoma unicístico (tipo mural). O revestimento epitelial do componente cístico pode ser observado no canto esquerdo da fotomicrografia. As ilhas de ameloblastoma folicular infiltram a parede de tecido conjuntivo fibroso à direita. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 15- Ameloblastoma (padrão folicular). Essa fotomicrografia de grande aumento destaca o aspecto de polarização invertida das células periféricas. Fonte: Neville et al., 2009.


Figura 16- Ameloblastoma unicístico (tipo intraluminal plexiforme). Fotomicrografia do aumento de volume intraluminal que surge a partir da sua parede cística. O detalhe no aumento de volume intraluminal em maior aumento. Fonte: Neville et al., 2009.



Figura 17- Ameloblastoma unicístico (tipo luminal). O cisto é revestido por epitélio ameloblástico que exibe uma camada basal hipercromática e polarizada. As células epiteliais sobrejacentes estão frouxamente conectadas e lembram o retículo estrelado. Fonte: Neville et al., 2009.

Diagnóstico diferencial

  Diagnósticos diferenciais: cisto dentígero, tumor de Pindborg, granuloma central de células gigantes, mixoma, tumor odontogênico ceratocístico, carcinoma ameloblástico, entre outros.

Tratamento

  A terapêutica sugerida para os ameloblastomas constitui um desafio devido à alta taxa de recidiva. As alternativas de tratamento implicam desde a ressecção completa do tumor com hemirressecção e ressecção marginal a métodos mais conservadores como a enucleação e/ou curetagem e também a marsupialização para minimizar o tamanho do tumor. Novas técnicas e coadjuvantes ao tratamento cirúrgico também tem sido proposto, como a criocirurgia, cauterização, aplicação de solução de Carnoy e radioterapia para os casos em que não é possível realizar o tratamento cirúrgico.

  A resolução dessa lesão tumoral é variável e depende do tamanho, localização anatômica, tipo histológico, invasão de estruturas anatômicas vizinhas, condições físicas e expectativas do paciente.

  Os ameloblastomas periféricos constituem uma variante extraóssea do tumor que afeta os tecidos moles gengivais e responde bem a excisão local.

  Os ameloblastomas unicísticos geralmente são apenas diagnosticados pós-cirurgicamente e apresentam semelhanças clínicas e radiográficas com os cistos odontogênicos. Portanto, são tratados muitas vezes com cirurgias conservadoras, como a simples enucleação, o que eleva as taxas de recidiva, cerca de 60% dos casos. Alguns autores sugerem que os casos em que o diagnóstico for pré-operatório sejam adotadas medidas para reduzir a recorrência das lesões. Para tanto, pode-se realizar a enucleação com curetagem e um método de tratamento físico-químico, como nitrogênio líquido ou solução de Carnoy. Caso essas terapias não estejam disponíveis, deve-se lançar mão de alternativas mais agressivas com a ressecção com margens de segurança de 0,5 a 1cm.

  Outros autores correlacionam os subtipos de ameloblastoma unicístico com o plano de tratamento. Em geral, tanto o subtipo luminal quanto o intra-luminal podem ser tratados efetivamente de modo conservador, mediante enucleação. Entretanto, o subtipo mural, por sua capacidade de infiltração, deve ser considerado como um ameloblastoma sólido e, portanto, ser tratado de maneira mais radical.

 Alguns autores sugerem que ameloblastomas císticos, uniloculares ou multiloculares devem ser submetidos à marsupialização antes da cirurgia.

 Os ameloblastomas do tipo sólido em que as margens estejam livres de tumor, no exame radiográfico, são geralmente curetados extensivamente. Lesões em que as margens não estejam livres de tumor, ou ameloblastomas com aparência de bolhas de sabão, ou tumores não responsivos após marsupialização são indicados à ressecção marginal ou segmentar dependendo do seu tamanho e localização.

 Já outros autores observaram que os ameloblastomas do tipo sólido são agressivos e apresentam a capacidade de infiltrar de forma irregular no tecido ósseo adjacente e formar ilhas tumorais oriundas do tumor principal. Portanto, alertam para a necessidade de uma intervenção mais radical com grandes ressecções cirúrgicas, com uma margem mínima de 1 cm de tecido sadio a partir do limite clínico e radiográfico.  Foi relatada uma recorrência de 100% dos ameloblastomas sólidos tratados de forma conservadora, sendo a média de 55-90%.

  Outros autores se pautam nas dimensões do tumor para determinação da terapêutica de tratamento. Enquanto lesões de pequenas dimensões são tratadas, geralmente, de modo mais conservador, as lesões maiores requerem uma cirurgia radical do tumor resultando em defeitos maiores e reconstruções mais difíceis.

  No Hospital Pitié-Salpêtrière é proposto um protocolo para eleição do plano terapêutico que se recomenda um tratamento conservador em lesões menores que 5 cm e sem invasão periférica e tratamento agressivo das lesões maiores.

Alguns autores preconizam a adoção de medidas cirúrgicas mais agressivas no tratamento de ameloblastomas influenciados pelos excelentes resultados obtidos com a reconstrução imediata dos ossos gnáticos e a possibilidade de reabilitação protética usando implantes dentários.

  A aparência radiográfica, o tamanho, a localização e o tipo histológico são importantes para propor o melhor tratamento para o ameloblastoma. Autores sugerem que as lesões devem ser tratadas cirurgicamente de forma conservadora, sempre que possível. A enucleação conserva a continuidade óssea e reduz a morbidade do paciente. 

  Procedimentos mais radicais geram grandes desafios, incluindo cirurgias longas e complicadas e reabilitações difíceis. As cirurgias radicais são reservadas para ameloblastomas gigantes (maiores que 13 cm) pela possibilidade de atingir estruturas nobres. Ameloblastomas multiloculares (ex: aspecto de bolhas de sabão) também devem ser tratados com ressecções, além disso, ameloblastomas com subtipo histológico folicular e cístico/folicular pela maior capacidade de recorrência devem receber uma abordagem de tratamento mais agressiva, assim como os ameloblastomas localizados próximos a estruturas vitais, como o ramo mandibular e o processo coronóide, devido à possibilidade de invadir a fossa temporal, a fossa pterigomaxilar e a base do crânio. 

  Alguns autores reportaram que os ameloblastomas folicular, granular e acantomatoso possuem maior potencial de recorrência e os subtipos desmoplásico, plexiforme e unicístico, geralmente, têm menor número de casos de recidiva.

 Os ameloblastomas desmoplásico são infrequentes e com diferentes características radiológicas. São mais comuns na região anterior dos maxilares, com um crescimento intramedular e limites pouco definidos. Requerem um tratamento radical, similar ao ameloblastoma sólido.

   Grandes ressecções dos maxilares é usualmente o mais recomendado no tratamento dos ameloblastomas, devido à prioridade dada as altas taxas de recidiva dessas lesões. 

  Entretanto, cirurgias radicais muitas vezes levam a complicações para os pacientes, incluindo deformações faciais, disfunção mastigatória e movimento anormal da mandíbula. Considerando as características do ameloblastoma como um tumor localmente invasivo, mas de crescimento lento e que raramente metastatiza, o método de tratamento deve ser discutido sobre o ponto de vista de morbidade e qualidade de vida dos pacientes e não somente ou de modo mais relevante em relação à taxa de recidiva

  O acompanhamento pós-cirúrgico deve ser por no mínimo 10 anos.  A necessidade de acompanhamento em longo prazo dos pacientes é importante, pois grande parte das recidivas ocorrem após 5 anos, podendo ocorrer até mesmo 29 anos após a cirurgia primária. Essa observação reforça o comportamento insidioso deste neoplasma.

 As reconstruções pós-cirúrgicas podem ser diversas dependendo do defeito e sua localização. Nos últimos anos, a reconstrução com enxertos ósseos, se tornou uma alternativa eficaz para tumores benignos. A fíbula, a escápula e a crista ilíaca são as áreas doadoras mais comumente utilizadas para reconstrução de defeitos maxilar e mandibular. 

  Para reconstrução de defeitos mandibulares o enxerto de crista ilíaca é o mais indicado devido à qualidade óssea, a quantidade de enxerto disponível e também da curvatura natural da crista ilíaca ser adequada para a mandíbula. Também pode se utilizar miniplacas ou placas de reconstrução, retalhos microvascularizados, retalhos de rotação do temporal para maxila, materiais de regeneração e substituição óssea.


   Estudos de marcadores moleculares tumorais nos ajudam a entender de modo mais claro as características biológicas dessa metaplasia polimórfica, e poderão auxiliar na obtenção de um melhor planejamento de tratamento e de prognóstico. Como exemplo, temos a associação entre o Bcl2 (proteína apoptótica) e o MvD com a agressividade do tumor e o VEGF com o potencial de sobrevivência e crescimento dessa neoplasia.



Figura 18- Ameloblastoma. A, Fotografia da macroscopia de um espécime de ressecção mandibular. B, A radiografia do espécime mostra um grande defeito radiolúcido associado a um terceiro molar deslocado para a região inferior. (Cortesia da Dra. Mary Richardson). Fonte: Neville et al., 2009.






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